Nottingham Guardian - Agroecologia, uma arma contra a desertificação na Caatinga

Agroecologia, uma arma contra a desertificação na Caatinga
Agroecologia, uma arma contra a desertificação na Caatinga / foto: Pablo PORCIUNCULA - AFP

Agroecologia, uma arma contra a desertificação na Caatinga

"Se as leis não cuidam, nós cuidamos. É isso o que vai mudar o Brasil" em questões ambientais, diz Alcides Peixinho Nascimento, agricultor determinado a salvar a terra onde nasceu, na Bahia, da ameaça da desertificação.

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Em sua busca, esse senhor de 70 anos opta por práticas agroecológicas para recuperar a vegetação nativa e ao mesmo tempo produzir alimentos para seu sustento.

A semiárida Caatinga perdeu mais de 40% do seu território original, segundo a rede MapBiomas.

As secas cada vez mais severas, relacionadas, segundo os especialistas, à mudança climática e à expansão do agronegócio, aumentam a pressão sobre esta região, a mais pobre do país.

No norte da Bahia, um dos dez estados que abrigam a Caatinga, foi recentemente identificada a primeira zona árida do Brasil.

Ao contrário da Amazônia, cuja preservação preocupa o mundo inteiro, o declínio desse bioma não chama a atenção, apesar de também ajudar a capturar as emissões de dióxido de carbono.

"Manter a Caatinga em pé e manter a vida", resume Alcides, com um facão na cintura, enquanto percorre suas terras na Serra da Canabrava, no município baiano de Uauá.

Há quarenta anos, diz ele, era impossível imaginar tal degradação. Agora, o impacto do aquecimento é percebido "com muita facilidade".

Até 2060, nove em cada 10 espécies de flora e fauna da Caatinga poderão desaparecer, alertou um estudo recente publicado na revista científica Global Change Biology.

- Guardiãs -

Para recuperar o bioma ou "recaatingar", Alcides planta o mandacaru, cacto que pode medir até seis metros e cujo fruto serve de alimento para animais e humanos.

Além disso, seus espinhos espantam os predadores, sendo ideal para cercar terras com cultivos de outras espécies nativas e alimentos, como o feijão.

O excedente da produção do mandacaru é vendido como insumo para uma empresa francesa de cosméticos. Isso garante autonomia alimentar e ao mesmo tempo dá ao solo uma vegetação que o protege do clima extremo.

"Onde tem Caatinga em pé ainda hoje, é onde tem comunidades tradicionais presentes" que utilizam estas práticas, explica Luís Almeida Santos, do Instituto Regional de Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), ONG que promove esta forma de convivência com o entorno.

"Elas são, de fato, as guardiãs da Caatinga", acrescenta, em uma área em recuperação na comunidade rural de Baixinha, próximo a Uauá.

- Até a última gota -

O IRPAA também ensina as comunidades a dosar o uso da água para que dure inclusive durante os períodos mais críticos da seca.

Segundo projeções oficiais, 38 milhões de brasileiros poderão sofrer os efeitos da desertificação, que ameaça 140 milhões de hectares, uma superfície maior que a do Peru.

Em seu terreno em Malhada da Areia, subúrbio rural da cidade de Juazeiro, Maria Silvânia Gonçalves dos Santos, de 60 anos, mostra o caminho que a água da chuva percorre desde o momento em que é coletada em uma placa de concreto até chegar ao tanque, alguns metros adiante.

"Aqui toda a água é reaproveitada", diz ela, que dá como exemplo o uso de água filtrada para irrigação de pastagens para animais.

Para fazer a água durar, Gonçalves tem uma lata, uma régua escolar e um caderno: é uma espécie de pluviômetro caseiro com o qual ela calcula o conteúdo restante de sua cisterna de 16 mil litros instalada pelo governo.

Quase um milhão de cisternas como esta foram instaladas desde 2003. Após uma redução drástica no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), a iniciativa foi reativada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

- "Voltar para contribuir" -

Além de assessorar diretamente as famílias, o IRPAA possui um centro de formação em Tourão, próximo à cidade de Juazeiro, onde até o momento já formou cerca de 200 jovens nessas práticas para que possam transmiti-las às suas comunidades.

É o caso de Anderson Santos de Jesus, de 20 anos, que veio da comunidade quilombola de Curral da Pedra, a 200 km de distância, para estudar.

"É muito gratificante, porque a gente que vem do campo não tem muita oportunidade, a gente tem que se deslocar da nossa região pra outra pra buscar o conhecimento. Fico muito feliz por estar conseguindo e saber que algum dia eu vou voltar e poder contribuir", afirma.

K.Cairstiona--NG